quinta-feira, 12 de abril de 2012

Fichamento: PESSANHA, Nely Maria. Características básicas da epopéia clássica. In: APPEL, Dier Myrna & GOETTEMS, Miriam Barcelos (org.). As Formas...

CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA EPOPÉIA CLÁSSICA

Poesia épica é a palavra que narra algo em determinado tipo de verso, cedo desvencilhado do acompanhamento musical. Epopéia é a criação narrativa em versos. Assim é que a epopéia clássica é toda ela tecida no verso hexâmetro dactílico.

Era costume na Grécia, desde os tempos da pré-história, preservar a memória dos grandes feitos e daqueles que, por suas façanhas, elevaram-se acima da medida do homem comum e ganharam a estatura de heróis. Os poemas homéricos seguem a esteira desta tradição, pois, ao narrarem a gesta dos Aqueus, valem-se de uma matéria mítica que tem um referente histórico, mas que é, sobretudo, um patrimônio imorredouro de sua coletividade.

Octaviano Paz: “... o poema é um produto histórico, filho de um tempo e de um lugar, mas também é algo que transcende o histórico...”.

Emil Staiger diz que epopéia é apresentação. Ela apresenta os fatos, ou seja, torna presente o passado, presentifica tudo aquilo que é digno de ser rememorado.

Este tempo passado que nos narra Homero tem um referente histórico e, conforme nos ensina a História e comprovam os dados da Arqueologia, se situa na idade do Bronze da Grécia pré-histórica. O poeta não o apresenta, contudo, de maneira cristalina. É ele revelado como uma mescla, um amálgama de elementos vários da tradição heróica, que abarcam desde os tempos da Creta minóica até a contemporaneidade do poeta. Como vemos, a epopéia clássica nutre-se de uma matéria a ela preexistente, relíquia de toda uma comunidade: o passado em sua dimensão histórico-mítica.

O poeta não recorda o passado; não faz voltar de novo ao coração as emoções nele advindas. Mas rememoriza-o, faz com que ele volte a lembrança, por considerá-lo tempo arquetípico, tempo ideal e, por isso mesmo, merecedor de consagração.

Narrador: Onisciente e onipresente, tudo sabe, tudo vê, a tudo assiste. Isto porque é ele o intérprete do canto da Musa.[...] Face à matéria narrada assume uma visão objetiva e não crítica. Registra, conta, apresenta os acontecimentos, mas se isenta de revelar seus sentimentos ou de julgá-los. Para que este distanciamento possa operacionalizar-se, predomina a narração em terceira pessoa.

Estrutura: Distinguem-se três partes: proposição, invocação e narração. Na proposição, o poeta apresenta, de maneira sintética, o tema a ser narrado. Na invocação, o poeta solicita que a Musa lhe faça dom da inspiração poética. A narração é a própria trama. A proposição e a invocação constituem o exórdio do poema. Esta estrutura tem uma explicação: articular a diversidade dos fatos a serem narrados na unidade da ação que o poeta privilegia.

Na Ilíada, a narração ainda que estruturada sob a forma de episódios, segue a lei da sucessão do tempo cronológico.

Quanto à Odisséia, costuma-se dividi-la em três partes: a Telemaquia (cantos I a IV), as Aventuras de Ulisses (cantos V a XIII), o Retorno e reintegração do herói em Ítaca (cantos XIV a XXIV). Ora, estas três podem ser subdivididas em episódios menores, possuidores, cada qual, de uma estrutura autônoma. Estas micronarrativas são como fios dispersos que foram cuidadosamente entrelaçados, de forma a constituir um novelo. Mas o fio primeiro não se mostra fácil. Encontra-se oculto na urdidura da trama. Assim é que a narração inicia-se in medias res.

A narração da epopéia clássica se estrutura em episódios. Esta característica fundamental deixa evidente que o narrador, sendo onisciente, quer mostrar tudo, anão se preocupando em atingir um fim. Daí comprazer-se nos pormenores, nas minúcias, o que, no nosso entender, constitui outros verdadeiros episódios. Sob esta ótica, podem ser enfocadas as digressões, as descrições tão caras ao poeta épico. No entanto, o ritmo lento da narração é freqüentemente acelerado, adquirindo um tom que poderíamos dizer dramático pelo uso do discurso direto, de comparações e, até mesmo, pela técnica do flash-forward que projeta o destino dos personagens.

Na epopéia clássica, personagens humanos e divinos são postos, lado a lado, num interagir constante. Os personagens humanos da epopéia têm uma ancestralidade notável por suas memoráveis façanhas ou por sua origem, muitas vezes divina. O herói épico é, pois, portador de uma areté, isto é, de qualidade no mais alto grau de excelência – areté guerreira.

Um comentário: